Tudo o que descobri sobre a pílula - e porque decidi não tomá-la (episódio piloto)

 O ser humano não suporta uma vida sem significado
Carl Gustav Jung

Amigos muito queridos e perspicazes me alertaram para algo que eu mesma não tinha percebido. Comecei esse blog com a intenção de divulgar informações que para mim foram valiosas e me deram outra perspectiva sobre quase todos os aspectos da minha vida. E talvez, na ânsia de divulgar tudo o mais rápido possível, de mostrar onde estou agora, o que defendo, no que acredito, acabei começando pelo fim, que não é exatamente um fim em si, mas um lugar muito diferente de onde estava há alguns anos. Ao fazer isso, acabei por não incluir ninguém no processo que me trouxe a essas conclusões, na trajetória que percorri. Por isso, vou dar alguns passos para trás e começar do começo, ir um pouco mais devagar. Porque ao fazer isso, ao excluir todos desse processo, tudo que digo parece ter o intuito de instituir uma nova verdade, um novo discurso de autoridade. E a intenção genuína dessa iniciativa sempre foi a de mostrar um caminho alternativo, mais um caminho possível dentre tantos outros que podem ser criados.

Por isso, pretendo começar nesse mês de agosto, indo até setembro provavelmente, uma série de textos sobre a pílula e sobre o trajeto que me levou não só a deixar de tomá-la, mas a descobrir uma discussão muito rica e pouco divulgada sobre as questões políticas envolvidas nessa decisão.




Episódio piloto
Quando tento pensar em como tudo começou, lembro-me da situação deplorável em que me encontrava. Recém saída de um mestrado estressante, sem bolsa, tentando sobreviver com freelas e bicos, aos trancos e quase pulando de barrancos, com sérios conflitos familiares, um namoro intenso que acabava de começar e uma vida sem rumo certo. 


Aos poucos, o trabalho foi estabilizando, a vida foi entrando nos eixos, o relacionamento foi firmando. E foi aí, nessa estranha calmaria, nessa vida estável e confortável, que o mal-estar que sempre me acompanhou, que sempre esteve rondando, me engoliu. Como diz a citação daquela pessoa famosa que não lembro o nome e que devo estar citando errado: "É quando tudo vai bem que os reais problemas começam".

Comecei a engordar exponencialmente, sentir falta de ar, labirintite...Fui acometida por uma série de traqueítes, laringites, faringites; por taquicardias, bruxismo, rinites...Tinha pesadelos recorrentes e momentos de depressão, ataques de pânico e delírios de fim de mundo.

Ia à médicos muito bons, que passavam horas em consulta me explicando como comer bem, que pílula tomar, como descobrir nódulos nos seios, quais exames fazer anualmente, que probióticos eram bons para viver para sempre. Me diziam que eu estava estressada e que devia tomar um fitoterápico para acalmar os dentes que se degladiavam durante as noite de sono conturbado; que devia fazer atividade física para manter a forma, e deixar de comer carboidratos, uma semana sim, outra não; que todo mundo hoje em dia vivia assim, e que não devia me preocupar que a pílula que tomava havia matado algumas mulheres, porque todas as pílulas tinham esse risco em potencial.

Mas por incrível que pareça, foi um reles exame de colesterol que realmente mudou minha vida. Minto, um exame de colesterol e um de triglicérides, que se aglutinaram para formam a bela e perfeita gota d'água. Quando vi que esses exames estavam um pouco alterados e que a perspectiva era de que com a idade isso só iria piorar, tive uma espécie de epifania.

Nunca me senti confortável em depender de remédios para viver. Evitava-os ao máximo. Talvez porque sempre tive dificuldade em aceitar ajuda, química ou de outra natureza. Mas sentia lá no fundo da espinha uma convicção de que eu não era doente, não deveria estar doente e não ia estar doente. Não aos 27 anos de idade, não tendo sido bem criada e bem alimentada, não tendo acesso a todo tipo de informação e a capacidade de entender meu corpo. Não quando dançava, fazia yoga, caminhava. Não quando comia bem. Não quando havia me formado bióloga, mestre em antropologia nutricional. De que adiantava tudo isso se não para aplicar na minha própria vida, na minha própria saúde?

Estava há poucos meses em um processo terapêutico intensivo, mordendo a língua por todas as vezes que maldizia a psicanálise como o refúgio dos perdedores que não tinham amigos. E bastaram esses meses iniciais para desenvolver em mim a confiança para desafiar algo de que já desconfiava há muito tempo. Para acreditar que talvez eu, uma reles qualquer, uma reles mulher, pudesse saber mais sobre o meu corpo, sobre a minha saúde, do que o meu médico afirmava saber. E foi nesse momento que toda a minha formação científica se direcionou para mim mesma, para a minha saúde; foi quando virei meu próprio objeto de pesquisa. Decretei que seria a única pessoa autorizada a desenvolver experimentos em meu corpo.

Queria entender porque estava doente. Queria ir ao fundo disso tudo.

Investi meu tempo, meu dinheiro e minha energia em uma empreitada que só posso descrever como uma peregrinação, no sentido que Hakim Bey atribui ao termo no ensaio Superando o turismo. Ele descreve o peregrino como alguém que "[...] passa por uma mudança na consciência, e para o peregrino essa mudança é real. Peregrinação é uma forma de iniciação, e iniciação é uma abertura para outras formas de cognição".

Essa peregrinação me fez ver um mundo diferente, um mundo que meus olhos cansados não viam. Não viam aqui, não veriam em Istambul, não veriam em Beirute, não veriam nunca, nem em Marte, nem na Lua. Eu precisava arrancar esses velhos olhos e recriar o mundo.

Então, me joguei em um processo de desconstrução brutal e perigoso, incerta se sobreviveria, tamanha o ímpeto destrutivo que me tomou. Achei que nada fosse sobrar, que não haveria mais nada ali sob os escombros quando terminasse, mas o que descobri foi algo surpreendente. O que restou de tudo isso foi pura e simplesmente eu, eu mesma; não meu nome, não meu trabalho, não meus hobbys, não o que faço, não meu traços físicos, nada que fosse palpável ou descritível. Somente eu, minha intuição e meus desejos abstratos. Mas isso me parecia muito mais real, muito mais concreto do que tudo que já havia racionalizado, teorizado, tocado ou compreendido em minha vida. Depois dessa destruição em massa, sinto que esse ser em mim, esse ser que me habita, é finalmente livre.

Antes, o que pairava era essa sombra incansável, como se nunca fosse meio dia, como se nunca houvesse claridade absoluta, como se nunca houvesse aquele momento em que a sombra finalmente retorna e você pode pisar completa no chão, você e sua sombra; juntas e eternamente separadas.

Como só percebemos que estávamos dormindo ao acordar, ao ver a diferença entre a vida que pulsava em mim e o coma em que vivia anteriormente, só pude sentir uma raiva imensa, uma raiva pelo tempo que me havia sido tirado e por saber que tantas outras pessoas, assim como eu, ainda podiam estar adormecidas.

Vi, como esses meus novos olhos, que vivemos em uma sociedade necrófila, que estupra mulheres mortas; mulheres que ela mesma matou. E essa morte simbólica é anunciada muito cedo. Ela começa com a rejeição dos nossos corpos e de tudo o que nos diferencia do corpo padrão: o corpo masculino. Vi que, desde cedo, a nossa fertilidade é a nossa mais ingrata qualidade; que ser mulher, nesse mundo, é carregar uma doença crônica que a todo momento é alvo de escrutínio médico e científico. Vi também que tudo isso tinha seus porquês, suas abomináveis explicações sem sentido.

Mas tudo começou com um projeto científico. Nesse projeto, defini que o primeiro passo para recuperar a minha vida, seria recuperar o meu corpo.
E foi aí que decidi: vou largar a pílula!

continua....






Bruxas de Wall Street

Todos já ouviram falar das bruxas. Aquelas mulheres misteriosas e suspeitas, que tinham relação com o diabo, o mal, o obscuro, o irracional. Mulheres com a capacidade de afetar os homens, jogando-lhes feitiços; controlar fenômenos naturais e afetar as vidas de todos, por capricho ou maldade. Sua feiúra e sua beleza causavam desconforto; sempre um disfarce, com o intuito de seduzir e desviar os homens do caminho do bem. Foram e são a encarnação do mal, do pecado, do proibido. Todas as épocas tiveram suas bruxas. Gostamos de ser chamadas por nomes diferentes, seguindo a tradição de nosso mestre, o tinhoso.



No excelente documentário Hungry for change que fala sobre alimentação, dieta, obesidade e a indústria dos alimentos, um dos entrevistados explica como é possível identificar as instituições que efetivamente detêm o poder em determinado momento histórico. Basta observar quais são as construções mais imponentes, quais emergem na paisagem de forma mais ostensiva.

Durante grande parte da nossa história, especialmente na Idade Média, a Igreja era sem dúvida a detentora do poder/saber; basta ver a grandiosidade das catedrais. Nesse momento, as bruxas incorporavam aquilo que se chocava com os dogmas religiosos. O incômodo que causavam estava relacionado a seu paganismo, a seu canal de comunicação com o mal, com o diabo e com a natureza. Mas o poder subversivo que ameaçava a Igreja residia no conhecimento que elas detiam acerca das coisas terrenas, das plantas; em sua capacidade de cura. As bruxas eram as mulheres camponesas que ousavam saber algo que não lhes havia sido revelado pelo poder divino; eram as curandeiras, as parteiras. E ao contrário do que se acredita, o seu saber não estava embasado em superstições infundadas e mágicas, mas em conhecimentos empíricos de grande valor.

Com a ascensão dos estados modernos e sua crescente separação da Igreja, os imponentes parlamentos evidenciam que o Estado passa a ser o real detentor do poder/saber. Nesse momento, as bruxas são as sufragistas; as ativistas pela legalização do aborto, pela equidade de direitos, pela liberdade econômica e profissional. Não se ouvia mais a palavra bruxa, embora elas estivessem lá: as impuras, as promíscuas, as traidoras, as assassinas.


Hoje, vivemos na época do capitalismo mundial integrado, no qual o capital é o detentor do poder e o grande manipulador do saber. Atualmente, as nações são reféns das multinacionais e do lucro, a quem as mulheres interessam enquanto produtos ou consumidoras.


Na era do capital, as bruxas têm feições menos óbvias. As bruxas de Wall Street são as mulheres que se opõem à lógica predatória e perversa da mercadoria, combatem a espetacularização da vida, marcham contra a pseudociência que embasa os discursos que justificam sua opressão. Não somos mais chamadas de bruxas; somos as irresponsáveis, as inconsequentes, as insubordinadas; somos as irracionais, mesmo quando carregadas de evidência científicas; somos as que marcham, com os filhos nas costas. Mas o que realmente somos, senão aquelas que lutam para não serem objetos ou produtos, para que seus corpos não sejam mercadorias? Que se rebelam contra a medicalização, que entendem as causas da obesidade, que combatem a desinformação e os discursos de autoridade, seja ela médica, científica, religiosa ou estatal. Porque o aspecto mais perverso do cenário atual é que, ainda não tendo vencido as outras batalhas, as lutas das bruxas pregressas - não nos livramos dos tentáculos do poder religioso e não conseguimos equidade real de direitos e emancipação- vem se somar a essa opressão histórica mais uma instância de poder onipresente. Não podemos nos iludir de que por trás da Ciência há objetividade. O consenso mais danoso que existe atualmente é o da neutralidade e objetividade científica. A Ciência, assim como a arte, está, e sempre esteve, imiscuída em uma relação promíscua com o poder.

Por isso, as bruxas atuais são acusadas de irracionais quando questionam o poder médico, que afirma tudo saber sobre nossa saúde; a indústria alimentícia, que afirma tudo saber sobre nossa comida; a indústria farmacêutica, que afirma tudo saber sobre os medicamentos que cria; o poder intelectual/científico, que afirma tudo saber sobre nossa suposta natureza; o poder midiático que afirma tudo representar com suas patéticas caricaturas.

A bruxa é e sempre foi a mulher subversiva.

As bruxas são aquelas que desafiam a ideologia dominante, o discurso opressor. E por que as bruxas de Wall Street são tão inconvenientes? Porque elas não se deixam enganar pela pirotecnia do consumo, pela tecnicidade dos hospitais, pela propaganda de segurança dos procedimentos médicos, pela confusão de conselhos ginecológicos ou pediátricos, pelo terrorismo médico/científico que as induz à automutilação. Elas são as mulheres que dão o calor dos seus corpos para os seus filhos, que não negam contato, acolhimento, leite e amor. São aquelas que têm autonomia para cuidar da sua saúde e da sua família. São as mulheres que conhecem seus corpos, seus ciclos e seus desejos. As bruxas de Wall Street  trocam produtos, os reutilizam, fazem elas mesmas ou até deixam de comprar. Elas se reúnem em comunidades, reais ou virtuais. Elas se informam e divulgam informações. As bruxas amam seus corpos, e amam ser mulheres, têm carinho umas pelas outras, assim como por todos os outros gêneros, sexos, classes e grupos discriminados, silenciados, excluídos.

Na época em que poder é dinheiro e que o consumo e a desinformação são as iscas que mantêm esse poder nas mãos de uma diminuta elite, o que poderia ser mais subversivo do que viver imersa em outra lógica? A lógica da vida, da criatividade, da diversidade e do amor? Um lógica que valoriza o ser humano enquanto força de vida e não enquanto mercadoria. O que seria mais subversivo na era do capital do que se opor à capitalização dos modos de vida? O que seria mais subversivo ao biopoder do que a biopotência?

Sugiro a leitura da fantástica fala "Viver não é sobreviver: para além da vida aprisionada", de Peter Pal Perbart, no III Seminário Internacional A Educação Medicalizada: reconhecer a acolher as diferenças (aqui)


Termino citando o artigo O ano da bruxa de Pamela J. Grossman (Huffington Post, 15/07/2013)

"O arquétipo da bruxa deveria ser muito mais celebrado. Filhas, mães, rainhas, virgens, esposas etc. derivam significado de sua relação com outra pessoa. Bruxas, por outro lado, tem poder nos seus próprios termos. Elas têm agência. Elas criamElas enaltecemElas comungam com a natureza/espírito/Deus/Deusa/escolha-sua-própria-semântica, livrementee livre de qualquer mediador. Mas o mais importanteelas fazem as coisas acontecerem. A melhor definição de magia que fui capaz de formular é "ação simbólica com propósito" - "ação" sendo a palavra chaveAs bruxas são parteiras da metamorfose. Elas são mulheres mágicas, e elas, literalmente, mudam o mundo."

Quando você for questionada por suas escolhas "irracionais", quando for chamada de louca, inconsequente, irresponsável ou bruxa, lembre-se de que essa não é só uma questão de argumentos, ciência ou lógica. É uma questão de poder. As bruxas eram queimadas na Idade Média, eram rechaçadas da sociedade de direito e continuam sendo excluídas quando seus discursos são desautorizados como ilógicos, não científicos, infantis ou perigosos. Vemos isso nas discussões sobre o aborto, a medicalização, sobre  as escolhas de saúde relativas à métodos contraceptivos, gestação, parto, amamentação e menopausa. Por isso, muito mais do que argumentos, precisamos desnudar e destruir os discursos vigentes para que as nossas evidências científicas, as nossas argumentações, as nossas lógicas, que sempre foram impecáveis, tenham espaço e alcance. Não se espante se tiver que travar uma batalha com você mesma, com seu marido, seus familiares ou pessoas por quem tem grande respeito. O discurso a ser combatido não se mantém e perpetua pela fala de um demônio de tridentes, ou de homens maus em arranha-céus.  Ele está em tudo e está em todos nós. Por isso, tenha paciência e muita persistência.  Não tolere o que não deve ser tolerado, independentemente de por qual boca foi dito ou por quais mãos foi feito, mesmo que sejam as suas.

DSM do blog



Esse é o DSM -I (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) do blog Mulher: condição crônica. Ele lista alguns dos transtornos mentais que criei arbitrariamente, mas muito racionalmente, para diagnosticar comportamento de leitores quando se deparam com frases ou passagens dos textos que aqui publico ou publicarei. Não difere muito do DSM oficial (que já está na 5ª versão): não tenho qualquer evidência sólida de que esses transtornos de fato existam, e os critérios para diagnosticá-los não são objetivos. O que há em comum em todos eles é que EU os criei para facilitar a minha vida e culpar os leitores dos meus textos por eventuais mal entendidos ou leituras equivocadas. Me serve muito bem. Mas também acho que o combate a esses transtornos seria muito mais útil para a saúde das pessoas do que os transtornos listados pelo DSM oficial.


DSM - 1 - Mulher: condição crônica



TICDC - Transtorno de Incapacidade de Compreensão de Discussões Complexas

SADA - Síndrome de Apego ao Discurso de Autoridade

TOD - Transtorno Opositor Desafiante (esse tem também no DSM oficial; todos que discordarem de mim serão diagnosticados com TOD)

SHO  - Síndrome de House. Transtorno que acomete médicos, os que passam a acreditar que podem tomar as decisões em nome dos seus pacientes, sem informá-los adequadamente sobre as questões de saúde pertinentes, pois não acreditam que esses seres inferiores, mais próximos aos animais, são capazes de qualquer consentimento realmente informado, de tomar decisões conscientes. Passam a sonegar informações de seus paciente e enganá-los para que se submetam a procedimentos invasivos e arriscados.

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em construção

Se o seu médico disser que é estresse, faça seu cartaz e vá protestar em frente à Veja

ALERTA DE CONFLITO DE INTERESSES: Tenho vínculos com movimentos que combatem práticas medicalizantes, patologizantes e dessubjetivantes. Não sou uma autoridade médica, não trabalho no campo da saúde. Sou só uma mulher em busca de liberdade. Não recebo dinheiro de nenhuma indústria, nenhum grupo político. Confio na capacidade de cada um de conhecer-se, pensar criticamente e, assim, decidir como levar sua vida e tomar decisões sobre seu corpo. Acredito na emancipação intelectual, acredito em mestres ignorantes. Não há regras gerais. Se você não é capaz de se desconstruir cotidianamente, não leia esse post. Se você tem todas as certezas, não leia esse post. Se você é incapaz de entender sutilezas, por favor, não leia esse post.

A mulher estressada


Se você não está conseguindo dormir, tem gastrite, refluxo, síndrome de intestino irritável ou diarréia.
Se seus cabelos estão caindo, sua pele está infestada de acne e você chora todo mês na sua TPM.
Se você tem problemas menstruais, sente-se cansada, sem energia e sem ânimo para a vida.
Se você chora sem motivo, está sem libido, e come compulsivamente...

Não se assuste. Você é simplesmente uma mulher estressada.

Quando se consegue escapar de um diagnóstico reducionista essa é a grande descoberta dos médicos atualmente. O estresse afeta a saúde! Palmas para eles! clap clap clap!

Não é preciso se engajar em brigas aleatórias nas ruas, bater em suas amigas ou atirar nos colegas de trabalho. O estresse é silencioso e destruidor. O problema é que temos uma visão infantil do estresse.

O estresse na vida de uma mulher tem outra cara:
-Lista de afazeres domésticos
-Orçamento que não fecha
-Trabalho que não satisfaz
-Opressão
-Apelo consumista
-Terrorismo e desinformação da mídia
-Insatisfação crônica com o seu próprio corpo
-Abuso
-Infelicidade
- Síndrome de super mulher...e muitos etcs.

Mas o seu médico, que quando é responsável o suficiente para não te submeter a tratamentos inócuos e desnecessários, te libera do consultório com um diagnóstico que parece genial! Afinal, ele está reconhecendo o fundo emocional dos meus problemas físicos. A partir daí, a mulher passa então a pensar em como reduzir seu estresse. Sim, atividade física é importante. Sim, momentos para descansar, viajar, sair com os amigos, ter uma vida mais tranquila. Tudo isso é muito importante. E você, sim, você mulher, é a sua própria salvação. Já soube de mulheres, mães, trabalhadoras, que ouviram dos seus médicos que não há desculpa para não fazer atividade física: se você está dormindo 6 horas, durma 4, acorde antes do sol nascer e faça sua caminhada. Depois acorde seus filhos, vista-os, alimente-os com a boa comida orgânica feita em casa e leve-os para a escola. Se arrume, valorize-se, para se sentir bem consigo mesma. Vá trabalhar e dê o melhor de si, que isso traz muita satisfação. Além disso, é importante dormir, é importante ter hobbies, é importante ter amigos, comer bem, trabalhar menos, fazer sexo, ler... Já vi mulheres estressadas correndo entre a aula de yoga, o curso de meditação e a aula de culinária orgânica, tudo na tentativa de alcançar esse nirvana que os médicos e a nossa sociedade medicalizada gostam de pregar.

O que não se fala, o que nunca se fala, é que o estresse que você sente, você, mulher concreta e pontual, você indivíduo, o que não se fala é que esse estresse tem causas culturais, políticas e sociais que vão muito além, mas muito além, do que você como mulher pontual, mulher atômica, poderia fazer para resolvê-lo na tentativa insana de manejar a sua rotina. Lembro-me do angustiante filme "O cubo".



A individualização da culpa é mais uma faceta do nosso querido e sempre amigável capitalismo neoliberal. Mas não se preocupe mulher estressada, você não está sozinha. A mulher deprimida, a mulher com câncer, a mulher obesa, todas te fazem companhia. Porque a depressão é caricaturada como uma disfunção individual de seus neurotransmissores, o câncer é só mais um resultado do estresse e da obesidade e a obesidade...ah, a obesidade é indecência mesmo.

O problema do estresse é que não há mudança de hábito sozinha que vá resolver essa epidemia. Que como qualquer epidemia, tem causas ambientais, que não precisam ser bactérias ou vírus, podem ser contextos políticos e sociais. Mas você não é impotente! Você pode compreender o seu papel nessa epidemia, constatar que está sim doente e procurar os culpados como um matador de aluguel (como a Grace em Dogville).


Mas lidar com o estresse implica entender o mundo em que se vive, estudar história, sociologia, filosofia. Conhecer o feminismo, os movimentos sociais...Implica reavaliar sua vida.
O estresse é a ação paralisada no corpo, é sapo engolido acidificando o estômago. É a injustiça introjetada e aceita como culpa individual. O super homem ficou restrito aos quadrinhos e ao cinema e à filosofia de Nietzsche. Mas a super mulher é muito real e assombra a todas nós.

Se toda essa culpa se revertesse em ação para a mudança...mas ela é inteiramente absorvida pelos nosso corpos frágeis e já abatidos por discursos tão antigos quanto a humanidade, pela impotência, pelo assujeitamento, pelo repressão e alienação frente aos nossos desejos. Pelos hormônios artificiais, pesticidas, e pelos sufocamento dos instintos.

Nessa briga, devemos lutar pelo tempo. Pelo tempo de gestar e criar toda a humanidade, para dar amor aos nossos filhos. Devemos lutar para ter parceiros, não algozes; atendimento médico de qualidade, e não violência obstétrica e medicalização.

Assim, da próxima vez que o seu médico ou a sua médica te dizer que você está estressada, mostre-lhe o dedo do meio, prepare o seu cartaz e vá protestar contra a Veja, a grande divulgadora do discurso medicalizante, que quer fazer você, mulher, mãe, trabalhadora, ser humano exausto e oprimido, assumir na carne todos os efeitos colaterais abjetos de nossa sociedade machista, racista, classista, predadora e alienada. A prescrição que escrevi para mim mesma quando fui diagnosticada uma mulher estressada, foi só uma, e tem me salvado a vida: virei ativista!

Como primeira medida terapêutica, saia na sua janela e grite: Veja, vai tomar no cú!

















Por que luto contra a medicalização do corpo feminino?

Minha mãe veio ao mundo por meio de uma cirurgia. Chamam de cesárea, ou cesariana. Não entrarei nos detalhes da vida de minha mãe ou de sua sua infância. Mas digo que conheceu meu pai e tiveram meu irmão. Ele nasceu por cesárea, pois minha mãe não teve dilatação. Eu, segunda filha, obviamente não poderia vir ao mundo de outra forma, afinal, se o primeiro parto foi cesárea, no segundo não há opção. Há diversas evidências científicas que comprovam esse fato. Com o agravante de que eu, na minha lentidão característica, já estava passando da 40ª semana. Muito estranho um bebê tardar assim, muito suspeito, perigoso. Ninguém arriscaria esperar. Havia algum problema. Afinal, há suficientes evidências de que não se deve esperar além da 40ª semana, nunca! Para corroborar todas as preocupações dos médicos, nasci com o cordão enrolado no pescoço e roxinha, roxinha. Todos respiraram aliviados quando a equipe médica me salvou desse perigoso cordão, me dando a vida, o que só a medicina pode dar. Minha mãe comenta que sofreu um pouco nos meus primeiros meses. Estava um pouco triste, um pouco exausta, acho que deprimida. Eu tinha muita cólica, mas também dormia muito. Na esperança de deixa-la descansar, não queria nem mamar. Mas tudo isso era perfeitamente normal, faz parte de ser mãe e de ser filha. Minha irmã, terceiro parto, não tinha qualquer possibilidade de nascer por vontade própria, afinal, há inúmeras evidências científicas que atestam que é impossível se fazer um parto normal após duas cesáreas. Simplesmente impossível. Minha mãe foi uma das sortudas mulheres que conseguia amamentar seus filhos sem grandes dificuldades, porque as chances são enormes de mães não darem leite ou terem leites fracos. Além disso, há que se dizer que os suplementos e fórmulas são sempre superiores ao leite das mães, e por isso melhores opções. 

Como muitas das crianças de minha época, usei aparelho nos dentes por grande parte da minha infância, assim como todos os meus irmãos, nascidos de cesáreas. Além disso, meu irmão tinha constantes crises de bronquite, eu de rinite e minha irmã de dermatite. Mas dizem que não há qualquer evidência que ligue esses problemas ao nascimento por cesárea em ambiente hospitalar. Nem à neurose asséptica de se utilizar desinfetantes, sabonetes e demais produtos de limpeza antibacterianos.


Na escola, aprendi que meninas e meninos deviam usar banheiros separados e levar vidas distintas. Que meninas deveriam gostar de meninos e meninos de meninas. Que meninas deviam gostar de bonecas, rosa e de ser bailarina. Com a TV,  entendi que ser bonita e magra era necessário para ser feliz e amada. Que a dieta é parte integrante da vida de qualquer mulher e só traz bons resultados. Que anorexia, bulimia, e compulsão alimentar são problemas individuais de garotas perturbadas.

Ao ver na calcinha o sangue escuro de minha primeira menstruação, não comemorei, não sofri, não me alegrei. Contei para minha mãe e aceitei o fato de que tinha virado mocinha e que, de agora em diante, ia ser atormentada mensalmente por uma maldição que recai sobre as mulheres desde a origem dos tempos. Maldição que traz loucura e muitas dores, que só traz malefícios e da qual se pudessem, todas as mulheres se livrariam. Viveriam sem menstruar. Afinal, para que serve a menstruação senão para nos causar doenças e nos mostrar que não realizamos a nossa função por excelência: engravidar?
   
Sofri cólicas intensas durante a adolescência, o que diziam ser normal. O que seria de uma maldição sem dores? A única solução sugerida pelos médicos era tomar mensalmente analgésicos e antiinflamatórios. Por sorte, minha mãe trazia dentro de si uma medicina mais antiga e me dava chá de canela, bolsa de água quente e falava para não andar descalça no chão frio.


Eis que comecei a tomar a pílula. Ah, a pílula! Com ela, todos os problemas estava resolvidos. Não sentia mais cólicas, nem sangue mais havia, nada além daquele embuste negro que descia todo mês para simular um ciclo normal. Aquele embuste negro que vinha no dia certo. Ah, a pílula! A liberação feminina deve tudo à essa ilustre invenção da medicina. A pílula, que há mais de 50 anos vinha sendo estudada e mostrava pouquíssimos efeitos colaterais. Ah, a pílula! Que deixava as mulheres mais seguras e à vontade na cama, que tinha eficácia de quase 100%, e que, imediatamente ao ser deixada, me permitiria gestar um filho. A pílula, o melhor e mais seguro método anticoncepcional que havia. A pílula que, ao controlar as funções amaldiçoadas do meu corpo, me permitia conhecê-lo e comandá-lo, me libertando como mulher! Com o bônus de me fazer uma jovem responsável, completamente capaz de lidar com minha vida sexual. Ao parar a pílula por um ano, descobri o diafragma e a camisinha, combinação que obviamente não se equipara à elegância e eficiência da pílula. Descobri também um cisto no ovário, algo completamente anormal, que não deve existir em nenhuma mulher e é sempre indicativo de algo sério. O cisto, felizmente e   misteriosamente sumiu após alguns meses da ultrassonografia, exame que deve ser feito anualmente e preventivamente por todas as mulheres, inclusive as saudáveis. O ginecologista, assustado com o cisto que não existia mais, aconselhou-me a voltar a tomar a pílula, porque ela deve sim ser receitada também para tratar diversas desordens menstruais ou hormonais. Recebi amostras grátis de yaz, yasmin e do anel vaginal em diferentes momentos. Mas não há qualquer conflito de interesses quando seu médico recebe amostras, canetas, viagens ou qualquer outro regalo das indústrias que produzem os medicamentos, porque isso faz parte do jogo e todos fazem isso mesmo. O seu médico sempre quer o seu bem e está embasado nos mais bem realizados estudos científicos disponíveis sobre os medicamentos que receita. Não precisamos discutir ou nos informar sobre os efeitos colaterais dos remédios, pois seu médico sempre irá informá-la  corretamente e só irá prescrevê-los visando a sua saúde e seu bem estar físico, mental e psíquico.

Como toda mulher adulta responsável, seguia a rotina de saúde que as mulheres jovens e (aparentemente) saudáveis deveriam seguir: ia ao ginecologista todo ano, religiosamente. A cada ano, me submetia ao papanicolau, ao ultrassom transvaginal, ao ultrassom de mamas e aos exames de colesterol, glóbulos de todos os tipos, hormônios etc. Todos esses exames são imprescindíveis e fornecem as evidências necessárias para que o médico saiba se você está doente, ou saudável. Alterações em qualquer desses exames são indicativos de que há algo errado e que precisa ser investigado de forma mais invasiva; em alguns casos, com biópsias. Os exames genéticos que podem ser feitos agora são excelentes indicadores de doenças futuras, e sua detecção pode ser muito útil para a determinação da linha de tratamento de doenças que acometerão inevitavelmente esse corpo pré-doente. A remoção de mamas, por exemplo, em casos de mulheres portadoras de genes que determinam o desenvolvimento de câncer agressivo, é a melhor forma de se antecipar ao problema. Assim como a remoção do útero ou dos ovários.

Pensando em ter filhos, mas ainda insegura, quis me informar sobre esse mundo da gestação, do parto e do cuidado com os bebês e as crianças. Ouvi de muitas mulheres que as dores do parto normal são in-su-por-tá-veis e que sua vida sexual nunca mais será a mesma se tiver um parto vaginal. Ouvi que as intervenções da equipe médica nunca causam problemas; a oxitocina, a tricotomia, a impossibilidade de movimento da mãe, a não ingestão de água ou comida durante o trabalho de parto, a episiotomia e demais procedimentos médicos, visam a realização de um parto cada vez mais seguro. Ouvi que os riscos do parto em casa são altíssimos e que as facilidades e a segurança do parto hospitalar tornam a cesárea a melhor opção e a mais humana para as mulheres, seus bebês, seus maridos e a equipe médica. O agendamento de cesáreas é recomendado por médicos e gestantes sendo uma boa opção, e por isso muito utilizada no Brasil. O histórico de minha mãe também me fez concluir que, provavelmente, não conseguirei dilatar o suficiente para ter um parto normal. Dizem que o conhecimento médico que respalda todas essas informações é baseado em extensas evidências.

Após o parto, vem a questão: como educar? As crianças hoje em dia estão enfrentando tantos problemas na escola por conta de TDA (transtorno de desvio de atenção) ou TDAH (transtorno de desvio de atenção e hiperatividade), transtorno de espectro autista, transtorno opositor desafiante e tantos outros transtornos e doenças mentais. Qualquer pai ficaria preocupado em ter um filho ou uma filha que nascesse com alguma dessas disfunções orgânicas, causadas por desequilíbrios na bioquímica cerebral. Cabe à família tratar adequadamente seu filho, levando-o a um psiquiatra que irá diagnosticá-lo e medicá-lo correta e objetivamente para que possa se adequar ao ambiente escolar.

Poderia me estender nessa narração semi-fictícia, mas há muitos post ainda a vir.
Voltando à pergunta inicial: por que luto contra a medicalização do corpo feminino?. Eis a resposta.
Luto porque a maioria das pessoas, assim como eu mesma há alguns anos, não irá perceber as mais de 100 informações completamente equivocadas presentes neste texto.

O intuito desse blog é divulgar e debater essas informações.
Se você leu este post, quantas delas encontrou? Se puder, envie-me o número.