Poda


Scordinia - inflorescências

Sempre tive dificuldade em cuidar de plantas, mas, por alguma razão, achava importante ter essa graduação da natureza, que me mostrasse que sou capaz de cuidar de uma vida estranha, que não a minha. A falta de antigos círculos de mulheres, de contato com crianças, gravidezes, mortes, me afastava de uma forma incomoda dos ciclos da vida. Não à toa, quis ser bióloga, achei que a vida  estaria ali. Mas é claro, não estava, por que fomos banidos, como no paraíso de Milton, dessa plenitude, da falta de consciência da morte, da entrega plena aos instintos. Há cultura, há linguagem. Estamos tão longe daquela tribo, daquela comunidade. Aprendi a aceitar que certas plantas morrem nas minhas mãos, não porque eu não consiga compreender do que precisam, mas por eu ser incapaz de aceitar suas necessidades, sua fraqueza e sua carência, suas demandas sobre mim. A hortelã sempre precisou de muita atenção - tanta rega, todo dia, aquele olhar desapontado, murcho, precisando de mais, de algo que eu não conseguia dar. Por acidente, percebi que a poda radical é um cuidado, algo necessário, que eu era capaz de fornecer, com prazer. Vi plantas que achei mortas, das quais podei todas as folhas num instinto egoísta de retirar da minha vista tecidos amareladas, murchos ou doentes. Não esperava muito. Não esperava nada, só sentia prazer em mutilá-las; retirar-lhe as folhas, os galhos, as flores secas. E para minha surpresa, algum tempo depois, rebrotavam com tanta vitalidade, como um presente, mostrando que minha fúria lhes dava força, minha falta de tato lhes trazia vida. Espero que eu venha a ter um filho um dia, e seria feliz com essa noção de maternidade. Pois a natureza é muito maior do que eu. No dia em que percebi isso, fui tomada por uma vontade súbita de cortar os cabelos, curtos, em casa, a seco, confiando que uma força dormente ganharia espaço, e novos seres brotariam em mim.